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Textos

 

 

                                                 

 

Em uma praia silenciosa, Aislin conhece Edwin, um homem enigmático que a leva para uma vida de luxo e sombras. Isolada em uma mansão sobre a montanha, cercada por segredos e aparências, Aislin vê seu mundo desabar após o nascimento de sua filha, Luiza. O que parecia um conto de fadas revela-se uma prisão.

Mas Aislin carrega algo raro: uma força que não se vê, uma coragem que a faz atravessar o impossível — inclusive o céu. Ao fugir com Luiza nos braços, descobre que pode voar. E é no ar, entre nuvens e silêncios, que ela encontrará o amor verdadeiro, a perda, e a escolha mais importante de sua vida.

"A Mulher Voadora" é um conto visual e emocionante sobre libertação, maternidade e o poder de romper os próprios limites — mesmo quando tudo parece dizer que não há saída.

 

 

A Mulher Voadora

 

Ela era uma mulher exuberante, de inigualável beleza; era quase impossível descrevê- la. Seus cabelos longos e negros abrigavam um mistério. Possuía um olhar jamais visto. Porém, mesmo tendo tantas qualidades, aquela mulher vivia na mais completa solidão. Seu nome era Aislin, e seu drama começou quando ainda era uma adolescente cheia de sonhos e ilusões.
Em certo dia ensolarado, em uma praia, dessas que quase não há ninguém, Aislin apreciava o sol intenso que brilhava sobre sua pele branca e macia, agora um pouco desgastada pelo tempo. Pensativa, desligada de tudo e de todos, seus pensamentos percorriam as lembranças cruéis do passado, conforme ela mesma relata:
Tudo começou como num dia de hoje, o sol, o mar, a brisa e a vida inteira pela frente. Eu estava distraída aproveitando cada instante que se passava diante dos meus olhos, quando, de repente, senti por trás da minha nuca uma respiração que me arrepiou dos pés à cabeça. Sem ao menos saber quem era o dono daquela voz suave e provocante, me virei lentamente. Assim pude ver aquele rosto, que tinha um olhar profundo. Era um homem alto, forte e misterioso.
A partir de então tudo mudou em minha vida. Seu nome era Edwin. Fiquei atraída por aquele ser que, mais tarde, se tornou meu amigo. Foi uma amizade que se transformou em paixão, uma paixão totalmente sem limites. Sempre tão gentil e tão amoroso comigo, não consegui ver seus defeitos nem perceber suas reais intenções. Ele era tudo pra mim. Edwin me deu coisas incríveis: luxo e presentes que jamais imaginei que pudesse ter um dia.
Com o passar dos dias, já não restavam mais dúvidas de que eu queria ficar com ele. Foi quando sugeriu que passássemos a viver juntos e não pude dizer não. Então fui morar com Edwin em sua mansão, que ficava no alto de uma montanha, num lugar estranho que parecia mais um labirinto. A mansão tinha muitas portas e muitos corredores. Não digo exatamente assustador, mas confesso que era um lugar que eu jamais pensara em conhecer.
Na primeira vez por lá, entrei escoltada por seguranças. Com corredores longos, o local parecia uma eternidade; pensei que nunca chegaria a um dos quartos. A sala principal era o lugar preferido de Edwin. Lá sempre estava ele à minha espera, sempre com um sorriso e um olhar envolvente.
—    Nossa! Pensei que nunca chegaria aqui! – eu disse, hipnotizada com o charme dele, que apenas me beijou.
 
Por alguns instantes ele ficou quieto, apenas me admirando. Depois me disse:
—    Venha, estou ansioso. Quero que conheça tudo por aqui.
Eu fiquei maravilhada com tudo aquilo. Tudo ali me impressionava. E assim seguiram- se meus meses de rainha naquela mansão. Até que se passaram os anos, o primeiro, o segundo, e no terceiro eu engravidei.
 
COISAS ESTRANHAS

De repente, como se meus olhos se abrissem e voltassem a enxergar depois de um longo tempo de cegueira, comecei a perceber coisas muito estranhas naquele homem que eu pensava conhecer, mas que, na verdade, não conhecia totalmente.
Seus estranhos amigos, seu quarto secreto, mulheres vulgares com quem ele se envolvia em suspeitas amizades, sem se importar com os meus sentimentos de esposa... Era tudo muito esquisito. Edwin já não se importava mais comigo, passava a maior parte de seu tempo “livre” com suas amiguinhas vulgares em volta da piscina, enquanto eu ficava trancada no quarto observando tudo da sacada, calada, sozinha, sem amor.


Agora seu olhar me causava medo e calafrios. Aos poucos fui descobrindo sua verdadeira identidade. Aquele homem que me impressionou tanto era, na verdade, um ser abominável, cheio de sedução e traição. Como eu pude dar ouvidos ao mal e ter me deixado cair nas garras daquele monstro? Cometi um grande erro! E não podia mais voltar atrás. Ele vivia por um único desejo: procurar criaturas iguais a ele. Assim eram os meus dias, me sujeitando às vontades daquele crápula, para não morrer.
Sempre que a noite chegava, eu dormia um sono profundo, mas perturbado. Eu podia ver Edwin em meus pesadelos, me sufocando e me destruindo. Tudo isso me assombrava! Certa noite, ao acordar de mais um pesadelo, fui até a cozinha tomar um copo d’água. Eu transpirava sem parar e meu coração quase saía pela boca. Comecei a pensar mil coisas. Tinha certeza de que ele já não estava mais comigo, talvez girando pelo mundo em busca de outra presa.
Eu me perguntava como os seguranças da mansão conseguiam ficar tanto tempo em pé vigiando tudo, cada entrada daquelas portas, cada canto do jardim. Será que eles eram realmente seres humanos? Arrisquei-me e fui até o exótico jardim refletir um pouco sobre tudo. Várias ideias se passaram em minha mente.
Eu me perguntava o que acontecera comigo, o que eu estava fazendo naquele lugar. Foi quando percebi que o encanto havia desaparecido e eu tinha desencantado de rainha à prisioneira. O que eu faria? Estava sozinha e sem saída. Percebi que aquele homem fazia qualquer coisa para iludir e devorar suas vítimas.
Subitamente veio a mim uma força, uma força estranha, que me fazia pensar e acreditar que eu poderia fugir dali de alguma forma. Quando saí dos meus pensamentos, uma rápida sombra se transformou em homens que me seguraram, um de cada lado, e me levaram de volta para dentro daquela prisão. Diante de tudo isso, eu já não tinha a menor dúvida de que eu era mantida refém naquela casa. Cheguei a gritar com eles perguntando: “Quem são vocês? O que querem? Por que não falam?”
Naquela noite fui pra cama, mas não consegui dormir. Eu precisava fugir, tinha que haver um jeito. Na manhã seguinte os guardas da casa já estavam de prontidão para vigiar os meus passos. Talvez eu não pudesse mesmo sair dali.
Totalmente aprisionada naquela suíte, eu queria gritar, eu queria fugir, eu queria ser livre! Me pus a chorar, me sentia muito ferida. E assim passei a ficar deprimida, sem ânimo, perdendo a vontade de viver com um filho crescendo dentro de mim. Aquele homem lindo, maravilhoso... Todo aquele amor foi perdido, todos os meus sonhos destruídos!
 
DIAS DEPOIS

Uns dias depois, numa tarde calma, eu olhava pela janela, respirava fundo, quando pude sentir a brisa tocar meu rosto depois de um dia nublado e frio. Senti um cheiro de inverno que me deixou com saudades da minha antiga vida normal como gente. Inesperadamente, não sei por quê, senti uma vontade enorme de revê-lo! E por um instante tive a ilusão de que ele voltaria pra mim como um homem de verdade e não como uma sombra do mal. Após esse momento de devaneio, me virei de volta em direção ao quarto e surpreendentemente me deparei com Edwin ali, parado, diante de mim! Gritei ao vê-lo, me assustei com sua face.
—    O que foi, meu amor? Eu te assustei? Por que tanto tempo presa nesse quarto?
Venha, se arrume, vamos passear! – ele me convidou, mexendo em meus cabelos.
—    Não. Eu não quero passear com você, eu não quero! – neguei com coragem. Ele se aproximou de mim como se nada tivesse acontecido, cínico, dissimulado. Estava apenas tentando me manipular.
—    Venha comigo, amor! Eu não quero que nossa filha nasça pensando que eu não sou um bom pai – argumentou.
—    Como sabe que estou grávida de uma menina? – perguntei, espantada com sua afirmação.
—    Esqueceu-se de que eu sei de tudo que acontece com você? – me questionou com ironia.
Novamente ele reapareceu me tocando e me amando; eu não poderia resistir. Mas eu precisava enganá-lo.
Os meses passavam e eu tinha um leve pressentimento de que alguém me vigiava através do vento, do ar ou de alguma outra forma. Eu queria ir embora daquele lugar. Eu pedia, eu implorava, mas ninguém me ouvia. Então Edwin passou a ficar mais tempo comigo e a me dizer coisas que eu não imaginava que ele fosse me dizer. Comecei a ficar confusa, pois havia uma certa sinceridade em suas palavras e em seu olhar. Carinhoso e delicado, ele me beijava e eu atendia aos seus apelos pelo fato de me sentir carente e sozinha.
Senti as dores do parto. Pedi ajuda e fui levada não sei pra onde. Aquele lugar não se parecia nem um pouco com um hospital. Eu sentia suas mãos quentes segurando as minhas mãos. Eu estava insegura e assustada. Fui sentindo minhas forças se esgotarem. Podia senti-lo tão perto naquele momento, tão carinhoso. Me apoiei em seus braços fortes, ao mesmo tempo com medo do desconhecido, não só por mim, mas também por aquela criança que acabara de nascer. Ela nasceu e eu perdi os sentidos, desmaiei, tudo se apagou.

Eu já estava em casa com minha filhinha Luiza. Era realmente uma linda menina. Parecia até mentira que eu pudesse suportar tanto tempo ao lado daquele homem abominável e ao mesmo tempo amigo. Eu lamentava por não conseguir sair daquele lugar.
Dois anos depois, inesperadamente, comecei a sentir uma mudança dentro de mim; uma luz, uma força dominou a minha alma. Luiza estava brincando na sala quando corri e peguei-a em meus braços. Com ela em meu colo, corri dali pelos corredores tentando encontrar a saída. De repente, ao olhar para trás, vi aqueles homens de terno preto correndo atrás de mim.
Os homens-sombra não queriam permitir que eu fugisse daquele lugar. Olhei ao redor, para todos os lados, e tudo que vi foi aquela imensa janela no fim do corredor. Com Luiza em meu colo, subi na janela e mentalizei: “Eu posso voar, eu posso voar, eu posso voar!”

A janela ficava no primeiro andar da mansão. Naquela aflição, com meu coração quase saindo pela boca, quando estavam prestes a agarrar meus pés, eu voei! Eu voei com minha força total para que ninguém pudesse me alcançar. Mas minha filha Luiza acabou ficando para trás. Infelizmente, ela escorregou do meu colo e caiu naquele imenso jardim da mansão. Temi que ela tivesse morrido ou se machucado. Não poderia voltar. Os homens- sombra poderiam me matar com suas armas impiedosas.
Pela velocidade em que eu voava, sentia o vento que batia em minha pele congelar a minha alma. Até que perdi as forças e caí numa montanha solitária. Ali pude me esconder e me assegurei de que ninguém pudesse me encontrar lá. Desde então me tornei a mulher voadora, sozinha, infeliz, planejando resgatar minha filha. É impressionante poder voar. Eu percorria vales, montanhas, rios e florestas, mas nada tirava Luiza da minha cabeça.
Naquele momento eu sabia que Edwin ainda poderia invadir meus pensamentos e também sabia que Luiza era uma grande maneira dele me pegar de novo e me fazer mais uma vez sua prisioneira.
 
O TEMPO


As horas passavam e eu estava lá, no telhado de uma casa simples, deitada, olhando as estrelas no céu, imaginando como era a minha vida antes de conhecer o homem que me tornou prisioneira. Eu estava sem família, sem poder confiar em ninguém.
Aquelas eram noites frias. Eu ficava mais e mais angustiada. Como seria bom conhecer alguém em quem eu pudesse acreditar, conversar... Queria ouvir a voz de uma pessoa normal.
Foi então que decidi perambular por aí. Entrei num bar, me sentei em uma das mesas, uma música tocava. Comecei a ficar calma e a relaxar.
De modo inesperado, sem imaginar, ouvi um sopro em meu ouvido. Era quase uma voz, era ele me pedindo pra voltar. Entretanto, comecei a cantar junto com a música para não o ouvir mais.
Avistei um grupo de jovens entrando no bar. Eram dois rapazes e duas moças. Estavam felizes e logo que olharam pra mim se aproximaram. Todas as outras mesas já estavam ocupadas e então perguntaram se poderiam se sentar comigo. Logo dei-lhes permissão. Então nos apresentamos, conversamos, comemos e bebemos. Foi muito divertido. Fazia muito tempo que eu não me sentia daquela maneira, tão jovem e tão alegre. Ficou tarde e eles tiveram que ir pra casa.
—    Quer que eu te leve pra casa? – um deles, o mais velho do grupo, ofereceu-se gentilmente sem saber minha real situação.
Eu o agradeci, porém não poderia lhe explicar o que estava acontecendo comigo; tinha certeza de que ele não acreditaria. Não bebi naquela noite, mas fiquei um pouco tonta; acho que estava cansada ou nervosa. E assim aquele jovem e sua irmã me levaram para sua casa.
O nome dele era Erik. Ele foi bom comigo, maravilhoso. Ele e sua irmã Joyce me trataram muito bem, me deram roupas, banho, comida, e uma cama confortável pra dormir. Naquela noite dormi feito uma pedra! Realmente estava exausta.
Logo que o dia amanheceu, despertei sutilmente e fui percebendo aos poucos que estava em uma casa diferente. Senti do quarto o cheiro do café da manhã e, surpreendentemente, vi entrar pela porta aquele belo rapaz sorrindo, vindo em minha direção. Erik trazia consigo não somente o seu sorriso, mas também uma linda bandeja com uma deliciosa refeição.
—    Bom dia! – ele me saudou feliz.
—    Bom dia – respondi timidamente.
—    O céu, o sol, o dia está lindo hoje! – ele observou, após me servir a bandeja.
A partir dali começamos a nos conhecer melhor. Sim, tive certo receio, medo de me envolver com outro homem assim tão rápido. Erik era dez anos mais novo do que eu, jovem, cheio de vida. Temia envolvê-lo em minhas complicações, sem falar naquele meu segredo, por isso omiti dele muitas coisas por algum tempo. Ele e Joyce sabiam apenas que eu era sozinha e sem família. Porém, mais cedo ou mais tarde as perguntas viriam, e eu teria que estar preparada para as respostas.
Erik e eu fizemos longos passeios. Sentimos atração um pelo outro; eu estava tão sozinha, tão distante da realidade, que me agarrei àquele rapaz com unhas e dentes, mesmo que tudo aquilo fosse durar por um minuto apenas. Conversávamos muito e ele me ensinou muitas coisas. Os meses passavam e nos tornávamos cada vez mais parte um do outro.
Apesar de estar vivendo notavelmente alegre com ele, ainda havia um vazio dentro de mim, uma culpa, uma lembrança em minha alma. Eu me perguntava como estaria minha filha, como ela estaria vivendo nas mãos daquele monstro.
Sem mais alternativas, fiquei morando com Erik. Inconscientemente, eu sabia que aquela era a vida que eu desejava ter.
 
ASSOMBRO

Mais uma noite chegava e mais uma vez senti a presença de Edwin me assombrando. Tive sensações estranhas, suei frio. Tinha quase todas as noites aquele mesmo pesadelo. Era sempre o mesmo: corria por uma estrada, encontrava um rio o qual eu precisava atravessar e logo adiante via uma porta que eu não podia abrir. E por mais que eu lutasse não conseguia atravessar o rio nem abrir a porta. Então gritei delirando:
—    Não consigo abrir a porta! Não consigo abrir a porta!
—    Aislin! Aislin! O que está acontecendo? – Erik me acordara mais uma vez, como outras tantas.
—    Erik! Meu coração está acelerado, me falta a respiração, me ajude! Por favor, me ajude! – supliquei-lhe ofegante ao acordar do pesadelo.
—    E como eu posso te ajudar, Aislin? Diga-me o que fazer! O que são esses pesadelos constantes? O que posso fazer? Você nunca me contou nada sobre você, sobre sua vida, sobre seu passado. Na verdade, eu não sei nada sobre você! – Transtornado, ele me exigiu explicações naquele momento enquanto me abraçava para me acalmar.
Erik desesperou-se mais do que eu. Ele queria de qualquer maneira saber o que fazer para me ajudar, salvar-me daquela cadeia que mantinha presa a minha alma. Mas, de fato, nem mesmo eu sabia. Foi então que contei tudo a ele. Contei-lhe tudo sobre meu passado, sobre minha filha, sobre minha antiga vida de casada, sobre aquela prisão onde eu vivi.
Meu jovem amado se comoveu e daquele dia em diante passou a ser mais atencioso comigo do que nunca. Prometeu me ajudar na busca por minha filha. No entanto, eu ainda não havia lhe revelado o meu maior segredo: o meu incrível poder de voar. A princípio eu hesitei, achei que poderia pensar que eu estivesse louca, mas eu sabia que não estava. Foi então que naquele dia o chamei no quarto e lhe contei tudo:
—    Erik, meu amor, eu tenho algo a lhe contar – eu disse, com ar de mistério.
—    Aislin, o que tem de tão importante pra me revelar? – questionou, com expressão de ansiedade.
—    É o meu maior segredo, um segredo que jamais revelei a ninguém. Você será a primeira pessoa a saber.
—    Então me diga logo: o que é?
—    Erik, eu posso voar, eu posso voar. Foi assim que consegui fugir daquela mansão onde eu vivi – revelei, olhando fixamente para os olhos azuis dele.
Erik ficou mudo por alguns instantes e, com os olhos arregalados de espanto, me perguntou:
—    Voar? Você está falando sério? Voar como os pássaros voam?
—    Sim! Nunca falei tão sério em toda a minha vida! Eu posso voar assim como os pássaros voam – respondi sorrindo.
—    Então por que você não voa até lá agora e não pega a sua filha de volta? – Erik levantou a questão.
—    Boa pergunta. Temo ser vista e também temo muito que eles façam algum mal para minha filha na tentativa de me atingir. Preciso pensar em alguma maneira de entrar lá e pegá-la de volta sem machucá-la. No entanto, eu nem sei mais se ela ainda mora lá, nem sei mais se ela está viva. Já faz tanto tempo que isso tudo aconteceu.
Fiquei tão envolvida com Erik que, para preservar a vida da minha filha e a minha, decidi não voltar à mansão na montanha. O passado era muito assustador. Só de pensar que Edwin poderia maltratar minha pequena Luiza para me chantagear, eu começava a tremer.
Os passeios com Erik na praia me faziam esquecer de tudo. Fiquei um tempo sem usar o meu poder. Entretanto, um dia, sozinha em cima das pedras, à beira-mar, eu decidi voar. Voei sobre aquele mar de águas cristalinas, eu voei. Senti a liberdade passar pelas minhas narinas, atravessar os meus pulmões e penetrar na mais absoluta profundeza da minha alma.
 
UM ADEUS


Os meses foram passando e Erik declarou seu amor por mim. Ele era um amigo, o meu herói. Nunca vou esquecê-lo. Entre essas coisas e outras passaram-se seis longos anos, mas jamais deixei de pensar na minha filhinha. Até então ela estaria com oito anos de idade.
Depois de seis longos anos, pela primeira vez meu amor materno falou mais alto que a razão. Chamei Erik e lhe comuniquei a minha decisão:
—    Erik, tenho algo a lhe dizer.
—    O que foi, Aislin? Está séria. Percebo que algo é importante – ele notou, curioso para saber o que eu pensava.
—    Erik, decidi ir até a mansão buscar minha filha – eu disse em baixo tom.
—    E você decidiu isso assim, de uma hora pra outra? – ele me inquiriu irritado.
—    Não! Não foi de uma hora pra outra. Foram seis anos de reflexão. É o meu amor de mãe se sobrepondo à razão! Já passou tanto tempo e eu não sinto mais medo de nada nem de ninguém. Eu voarei até lá! Voarei! – afirmei, decidida.


—    Aislin, você vai, mas eu vou com você! – ele me disse, me abraçando e me beijando em seguida.
Erik não hesitou em declarar que me acompanharia nessa missão perigosa. Sua maior dúvida foi querer saber se conseguiria voar comigo; caso não, como ele poderia me acompanhar até lá? Foi então que fizemos o teste. Fomos até o alto de um monte, ele segurou em minhas mãos e juntos descobrimos se era possível alçarmos aquele voo alto. A tarde era de sol intenso, o dia estava mesmo lindo. Erik segurou minha mão direita.
Nós fechamos os olhos e começamos a voar. Voamos como eu jamais havia voado antes. Uma hora depois eu já podia avistar a tenebrosa mansão onde vivi um dia. Adentramos a mansão pela janela do quarto que havia sido meu. Não sei como, mas, a princípio, os seguranças não haviam percebido a nossa entrada.
O quarto estava vazio naquele momento. Tudo que era meu havia sido retirado. Sem demora, começamos a percorrer os corredores e a vasculhar os cômodos da casa em busca de Luiza. Seguindo o meu instinto procurei-a na antiga sala onde ficavam seus brinquedos. E, para minha surpresa, quando entrei, lá estava ela! Luiza! Encontrei-a ali sozinha, brincando com suas bonecas. Ela já estava crescida. Corri até minha filha e abracei-a. Chamei-a pelo nome e ela me disse: “Mamãe, é você? Papai me disse que estava morta.” Provavelmente Edwin mostrava a ela minhas fotografias. E talvez eu tivesse estado mesmo morta para ela durante todo aquele tempo.
Naquele mesmo instante já imaginei a enorme quantidade de mentiras que Edwin devia ter dito à nossa pobre filhinha.
Erik apenas observava tudo, calado e receoso.
—    Não, filha. Eu estou viva e voltei pra buscar você. Vou te levar comigo – afirmei, pegando-a pelo braço.
—    Vamos, Erik, vamos embora daqui – eu disse, segurando sua mão.
—    Sim, Aislin, vamos agora mesmo! – concordou, aparentemente nervoso.
Saímos todos daquela sala de mãos dadas. Eu estava no meio, Luiza e Erik cada um de um lado. Ele segurava minha mão esquerda e Luiza minha mão direita. A pequena Luiza continuava cada vez mais linda com seus cabelos negros como a noite e seus olhos azuis da cor do mar.
Ainda caminhávamos pelos corredores até uma possível saída quando os seguranças de Edwin, acompanhados do próprio patrão, começaram a nos perseguir. Corremos muito! Segurei a pequena Luiza em meu colo e me preparei para voar. Edwin gritava com ironia:
—    Aislin, meu amor, eu sabia que um dia você voltaria pra casa!
Avistei aquela grande janela no final do corredor pela qual eu me libertara da primeira vez.
—    Vamos, Luiza! Vamos correr em direção àquela janela no final do corredor. E, quando passarmos por ela, feche seus olhos e então voaremos!
Coloquei-a no chão e ela correu comigo durante o resto do trajeto. Supliquei que Luiza não soltasse a minha mão. Os seguranças riam de nós e Edwin presumia que já estávamos presos, sem saída, pois mesmo que pulássemos a janela, ele imaginava que os seguranças nos pegariam no jardim. Jamais imaginaram que realmente poderíamos voar.
Nós três de mãos dadas diante da janela. Eu mentalizei meu grande voo. E voei, voei com toda minha força, mas Erik foi atingido por um tiro disparado por Edwin e acabou caindo e morrendo no jardim daquela tenebrosa mansão.
Salvei minha filha. Ela voou comigo até a montanha, mas perdi Erik para sempre. Não entendi direito o que aconteceu. Sei apenas que naquele momento em que salvei a vida da minha filha perdi a pessoa que mais me amou na vida. Eu perdi meu grande amor. No começo a dor foi muito grande; entretanto, depois fui confortada pela imensa paz que me trazia voar.
Nos dias seguintes li nos jornais sobre a morte de Erik. Edwin alegou à polícia que Erik invadira sua mansão para roubá-lo e sequestrá-lo em seguida.
Desde então descobri que eu jamais poderia ter ao mesmo tempo duas pessoas que amo. Para ter minha filha perdi o homem que eu amava e quase perdi minha vida.
Erik ainda está comigo, sinto sua presença e sua voz ainda chega suavemente aos pés do meu ouvido. Prefiro lembrá-lo vivo. Depois de tudo, fui embora com Luiza para bem longe da mansão. Afastei-me daquele lugar oculto e misterioso.
Tempos depois eu soube que Edwin morrera num acidente de carro. Tudo indica que foi um acidente provocado, mas ninguém sabe ao certo o que aconteceu. Pode parecer insensível, mas a morte dele não me abalou nem um pouco; na verdade, sua morte foi o meu grande alívio. O importante agora é que estou em paz comigo mesma. O importante é que agora estou longe e livre de tudo aquilo que me maltratava.
Agora, sempre que eu quero ter liberdade, eu fecho meus olhos e voo bem alto, o mais alto que eu posso!

Linhas Paralelas e Jamila Mafra
Enviado por Linhas Paralelas e Jamila Mafra em 30/06/2025
Alterado em 28/07/2025
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